Outra Forma

terça-feira, abril 11, 2006

capítulo 000 ... o soldadinho de chumbo?

As trevas chegaram. O soldadinho de chumbo voltou-se, olhou a Lua bem disposta e comentou para com os seus colarinhos, engomados: "As trevas e ela são companheiras de sangue. Nem a maior tempestade, jamais sofrida, ou que se venha a sofrer, conseguiria separá-las. Pobres das sopeiras!"Com uma brisa amena e leve, um odor densamente activo aproximou-se-me, deixando-me um pouco confuso quanto à sua origem. Que esquisito! Talvez fosse dessas culinárias orientais. Nesse preciso momento vejo uma silhueta um tanto sinistra, sem conseguir definir a respectiva classe, ordem e família. Consigo ouvir um pranto infantil, muito sumido é certo, mas infantil. Sinto uma estranha perda de noção de tempo e espaço, estou mesmo a leste.
A Lua é enorme, nunca a vi daquele tamanho. A Terra toma formas estranhas e diferentes, eleva-se com vagas de cinco... não, de seis decímetros de profundidade, as árvores fugiram pelo rasto provocado, o calor aumenta surpreendentemente, estrelando até, ovos reduzidos à escala de 1:50 nas cabeças dos dedos. Não aguento mais, é quase a total perda do vigésimo primeiro sentido; viro-me às cabeçadas a mim próprio até que me perco de todos os sentidos!!!...
Ao abrir os olhos tento observar o que me rodeia, levantando as orelhas, todavia, as tonturas obrigam-me a descansar um pouco mais. Passados uns anos abri os estores de novo e reparo na existência de claridade um tanto escura demais para lhe chamar dia. Contudo, as trevas já adormeceram. Raios! Arduamente me sento ajudado pelas artérias, que rebentam de dores astronómicas. Observo a paisagem, o pânico apodera-se de mim, desato num berreiro tal que não cheguei a ouvi-lo. Oh! Como eu aconteço ao tentar perceber este sufoco. Mas... a Terra?! Onde é que ela se meteu? "Pilinhas" de tartaruga me fecundem se possuo algum conhecimento sobre este fenómeno. Não me recordo desta matéria na Introdução à Política, tudo isto é tão fantástico, tão impossível. Estas cores, tão artificiais. Onde estou?...
Enfim, acabo por aceitar esta comédia, enlouquecendo, sem nunca ter percebido e desistindo de tentar perceber a forma ideal de complicar o tráfego de fogareiros. Sinto-me um morto sem vida mas, sem tão pouco a senti-la. Não vejo o que piso, não piso o que vejo... sou só, nesta espécie de solo todo igual, todo diferente.Foi um forte apertão no ombro que tornou possível ao terror espantado apoderar-se da minha pessoa, esmagando assim, a minha mistura adrenalinosa e só ao reparar no agente de seguros, que é um belíssimo advogado, consegui despojar o terror, ficando o espanto para mais um copo. Era o soldadinho de chumbo, com os seus colarinhos, já não tão engomados, que parecia muito radiante por ver alguém. Tentei falar-lhe, mas sem sucesso, pois lembrei-me que esquecera. Ele simplesmente ri com um semblante de gozo pelo facto de lhe não conseguir emitir um som. Teimo na comunicação, desta feita, através de gestos. Parou de rir fixando os olhos seus nos meus. A sua expressão, então, de milésimos em milésimos de segundos muda, a aparente alegria facial tornou-se dura, carrancuda. Ao falar-me apercebe-se que não o ouço e então berra, ele berra, berra cada vez com mais força, ele berra em harmonia com a produção sonora de um pássaro ferroviário e percebo: "Zeca, acorda que já são horas e a cama precisa de descansar".